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Dados de violência psicológica se igualam aos de violência física em Minas; Governo faz campanha de alerta

Paulo* falava do corpo de Alice*. Debochava e o comparava com o de outras mulheres que via nas redes sociais. Anunciava todas as horas que a vizinha saía para malhar e ameaçava, em tom de brincadeira, que poderia ter casos extraconjugais se Alice “não melhorasse um pouquinho o que estava oferecendo para ele”.

Esse assunto virou constância e Alice, do outro lado, se sentia culpada. Achava que realmente não se cuidava e que Paulo “tinha lá sua razão”.

A mulher, de 36 anos, passou a tomar remédio e a ser crítica com o seu corpo da mesma forma que o seu companheiro fazia, e o resultado de tudo isso foi estresse e uma crise de ansiedade.

Alice demorou um tempo para entender que ela era vítima de violência psicológica, situação bem comum em relações conjugais, como explica a delegada da Divisão Especializada em Atendimento à Mulher, Danúbia Soares Quadros.

“Quando o agressor é um namorado, ou o marido, o bombardeio de abusos ocorre junto com gestos de afeição. Então, tudo fica muito confuso para a mulher que está passando por uma situação como essa”, diz a delegada.

Alice só teve a certeza de que sofria violência psicológica quando levou o primeiro tapa no rosto e fez um chamado para o 190, da Polícia Militar.

“Além dos traumas que tenho dos abusos verbais, aprendi que ele é sempre a porta para uma violência maior ainda”, lembra.

Dados estatísticos

A análise dos dados do perfil das vítimas de violência contra a mulher em Minas chama a atenção por colocar a violência psicológica em um patamar muito próximo da tão discutida violência física.

Até o dia 10/12, levantamento da Polícia Civil indicava que, entre as mais de 140 mil mulheres em situação de violência em todo o estado neste ano, 38,1% sofreram violência psicológica e 38,2%, violência física.

Os dados estão disponíveis em um painel de Business Intelligence (BI), aberto para a consulta de todos os cidadãos, na internet.

A ferramenta reflete o esforço do Governo de Minas para estratificar os dados e, a partir deles, fomentar frentes de atuação.

Campanha

A proximidade das estatísticas entre os dois tipos de violência é o pontapé para o lançamento, nesta quinta-feira (14/12), de campanha virtual de conscientização sobre violência psicológica pela Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp).

Com o tema “Nós vemos a violência que ninguém vê”, a ação contará com divulgação ativa nas redes sociais e busca alertar para as características desse tipo de crime, além das possíveis consequências tanto para a mulher quanto para o agressor.

“As pessoas sempre se preocupam muito com a violência física. Essa é uma preocupação nossa também. Mas queremos com esse alerta dizer que a violência psicológica é tão comum quanto a física e muitas vezes até mais traumática. Além de traumas, baixa autoestima e diversas doenças da mente, a violência psicológica tende a ser um aviso de que algo pior pode acontecer. Estamos trabalhando, dessa vez, na informação para ajudar a cortar o mal pela raiz”, ressaltou o secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública, Rogério Greco.

Sejusp / Divulgação

Entre as 54.992 mulheres que sofreram violência psicológica em Minas, a maioria (82%) foi classificada como vítima de ameaça.

Perseguição e atrito verbal, nesta ordem, seguem como os demais principais motivos da busca pela polícia, nesta modalidade.

As autodeclaradas pardas são as mais atingidas (45%), e a faixa etária predominante das vítimas está concentrada entre 25 e 34 anos (28,2%).

Vale ressaltar que, em 2021, foi aprovada a inclusão da violência psicológica contra a mulher ao Código Penal e, de acordo com a nova lei, o agressor pode ficar de seis meses a dois anos preso, além de pagar multa.

Assim como Alice*, Helena Maria*, de 41 anos, também foi alvo de violência psicológica.

Por mais de três anos ela ouviu do ex-namorado críticas à sua aparência física.

“Eu tenho muito melasma no rosto. Ele sempre me dizia que eu jamais seria desejada por outro homem, pois ninguém ia querer uma mulher manchada como eu”.

A vida da Helena, durante os longos três anos de relacionamento, foi de angústia e crises. “Deixei de me sentir capaz, queria apenas ficar em casa. Foi uma ameaça de morte que me fez acender a luz e sair da minha própria escuridão. Decidi que, por maior que fosse a minha dependência emocional, eu queria estar viva. E para viver eu precisava sair daquela relação”, conta.

Mais dados

De janeiro a 10/12, exatas 144.157 mulheres foram vítimas de algum tipo de violência em Minas.

Além das destacadas violência psicológica e física, a violência patrimonial representou 4,3% dos abusos neste ano, seguida da violência moral (2,8%) e violência sexual (1,8%).

As jovens de 12 a 17 anos são as principais vítimas de violência sexual, seguidas de meninas de 0 a 11 anos.

Já quando o assunto é violência física, mulheres de 25 a 34 anos estão no topo do ranking. A violência patrimonial, por sua vez, ocorreu em maior quantidade com mulheres de 55 anos ou mais.

O levantamento aponta, ainda, que 67% das mineiras que sofreram algum tipo de agressão foram atacadas pelos seus ex-companheiros ou companheiros atuais.

O percentual pode chegar a 70% quando o recorte é feito entre as mulheres autodeclaradas negras.

Vias de fato é o crime mais recorrente, seguido de lesão corporal. Para saber mais sobre o perfil das vítimas de violência em Minas, acesse o BI aqui.

Atendimento especializado

Tiago Ciccarini / Sejusp

Estão em pleno funcionamento, em Minas Gerais, 69 Delegacias de Atendimento à Mulher, tanto no interior quanto na capital, para atendimento às mulheres em situação de violência, incluindo casos de importunação ofensiva e violência doméstica e sexual.

Em Belo Horizonte, a Delegacia de Plantão Especializada em Atendimento à Mulher e a Casa da Mulher Mineira, que completou em 2023 um ano atuação, abarcam série de ações que são fundamentais para acolher a mulher que busca por amparo.

Na Casa da Mulher Mineira é possível solicitar medidas protetivas de urgência, que contemplam:

Acompanhamento policial até sua residência para retirada de seus pertences em segurança (roupas, documentos, medicamentos etc);
Recebimento da guia de exame de corpo de delito;
Realização da representação criminal para a devida responsabilização do agressor;
Recebimento e encaminhamento para casas abrigo;
Serviços de atendimento psicossocial e orientação jurídica na Defensoria Pública, entre outros.
Todo o trabalho é desenvolvido em ambiente adequado e com privacidade para escuta qualificada e humanizada dessas pessoas.

Para algumas ocorrências, como ameaça, lesão, vias de fato e descumprimento de medida protetiva, é possível realizar o registro de denúncia por meio da Delegacia Virtual, sem a necessidade de comparecimento da mulher a uma unidade física da Polícia Civil.

O projeto “Chame a Frida” – atendente virtual de atenção às vítimas de crimes no ambiente doméstico e familiar – é mais um aliado no combate à violência contra a mulher.

Ele se expandiu e, hoje, alcança 41 cidades, em diferentes regiões mineiras. A ferramenta da Polícia Civil consiste em um chatbot, que utiliza o aplicativo WhatsApp para atender de forma imediata às solicitações por meio de mensagens pré-programadas.

Na prática, a mulher inicia uma conversa e, de forma automática, são realizados o acolhimento e o esclarecimento das principais dúvidas.

A atendente virtual Frida ainda pode fazer uma avaliação preliminar do risco, direcionar ou acionar a polícia, além de apresentar serviços disponíveis.

Outras frentes

O Governo de Minas também gerencia o Centro Risoleta Neves de Atendimento (Cerna), que atua como um Centro de Referência Estadual de Atendimento às Mulheres, realizando abordagem psico-jurídico-social às mulheres mineiras da capital e do interior, além de oferecer capacitações a outros equipamentos da rede de enfrentamento à violência contra mulheres, incluindo discussão de casos e orientações técnicas para o devido atendimento psicossocial.

O Cerna oferece a cada mulher atendida um profissional de referência que é o responsável pelo seu Plano de Acompanhamento Pessoal (PAP), documento institucional que descreve a forma de atendimento a ser realizado, define objetivos, planeja e avalia estratégias de cuidado de forma multiprofissional.

Respeitando a autonomia das mulheres, o equipamento não faz busca ativa de usuárias.

No entanto, todas as mulheres que buscam o serviço são atendidas.

O desligamento do serviço é feito somente no momento em que a atendida reencontra sua autonomia, segurança pessoal e autoestima, após todo o processo psicoterapêutico e acompanhamento da equipe multidisciplinar.

Conheça ações de enfrentamento à violência contra a mulher em Minas

Projeto Dialogar: a Polícia Civil possui, também, o Dialogar – núcleo de facilitação ao diálogo. Por meio dele são realizadas práticas restaurativas de convivência, valorização da vida e dos direitos humanos, por meio de oficinas de reflexão e responsabilização dos autores de violência doméstica. O programa atua em parceria com o Tribunal de Justiça, que realiza os encaminhamentos compulsórios dos autores. Além disso, há o atendimento aos homens que comparecem voluntariamente ou são encaminhados por outras instituições.

Patrulha de Prevenção à Violência Doméstica: a Patrulha de Prevenção à Violência Doméstica, serviço da Polícia Militar, foi o primeiro serviço preventivo policial militar da América Latina. É composto por um conjunto de procedimentos a serem executados após a identificação pela triagem das ocorrências registradas dos casos reincidentes e de maior gravidade de violência doméstica, que orienta o atendimento às vítimas reais e/ou potenciais, realiza visitas aos autores e faz os encaminhamentos da pessoa impactada à rede de atendimento que abrange as ações e serviços de setores como a assistência social, da justiça, da segurança pública e da saúde.

Programa Mediação de Conflitos: buscando prevenir a violência, o Programa Mediação de Conflitos (PMC), da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), atende em maioria mulheres, aproximadamente 70% do público atendido. Ao intervir de forma preventiva e/ou no enfrentamento à violência contra a mulher, o programa esclarece direitos, media conflitos e intervém em busca da proteção da mulher que relata risco à sua vida. Esclarece, ainda, junto às mulheres, direitos relacionados ao ciclo da violência, como reivindicações de paternidade, pensão de alimentos etc.

Trabalho com homens agressores – Ceapa: para além do trabalho de prevenção e enfrentamento realizado com as mulheres, a Sejusp também atua com homens agressores. Por meio do programa Central de Acompanhamento de Alternativas Penais (Ceapa), homens processados e julgados por crimes relacionados à Lei Maria da Penha são encaminhados pela Justiça para participar de grupos reflexivos de responsabilização sobre os atos cometidos.

Durante os encontros, várias temáticas são discutidas e experiências trocadas, a fim de que os participantes se reconheçam como autores responsáveis pela violência praticada e possam, assim, modificar seu comportamento.

A Sejusp, inclusive, possui três Unidades de Prevenção à Criminalidade, em Barbacena, Curvelo e Pouso Alegre, voltadas, especificamente, para a execução de ações de responsabilização de autores de violência doméstica e atendimento de mulheres em situação de violência.

A iniciativa é uma parceria com o Ministério Público e já realizou, desde maio de 2022, um total de 7.070 atendimentos no chamado Projeto de Prevenção e Enfrentamento à Violência contra a Mulher.

*Nomes fictícios para preservar as identidades das mulheres.

Ana Paula Oliveira

Jornalista formada em Brasília tendo a Capital Federal como principal cenário de atuação nos segmentos de revista, internet, jornalismo impresso e assessoria de imprensa. Infraero, Engenho Comunicação, Portal Fato Online e Câmara em Pauta, Revista BNC, Assessoria de Comunicação do Sesc-DF, Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Rádio Nacional da Amazônia e Jornal GuaráHOJE/Cidades são algumas das empresas nas quais teve a oportunidade de trabalhar com alguns dos renomados nomes do jornalismo no Brasil, e não perdeu nenhuma chance de aprender com esses profissionais. Na televisão, atuou na TV local de Patos de Minas em 2017, além de experiências acadêmicas. Ana Paula Oliveira nasceu em Bonfinópolis de Minas e foi morar em Brasília aos 14 anos e retorna à cidade natal em 2018. Durante os 20 anos em que passou na capital, a bonfinopolitana não desperdiçou as chances de crescer como pessoa e também como profissional, com garra e determinação. Além disso, conquistou algo não menos fundamental na sua caminhada: amigos. Isso mesmo. Para a jornalista não ter verdadeiros amigos significa ter uma vida vazia. E, com certeza, esse é um dos seus objetivos, fazer novos amigos nessa nova jornada da vida.

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